quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Ojú Oyá

Vários arranjos com flores naturais enfeitavam o salão. Filipetas brancas compunham o forro do telhado de telhas vermelhas. Pedaços de palha de dendê, arranjos de flores e borboletas, búfalos e espadas de papel pendiam do teto. Paredes de pedra, escuras, com algum revestimento brilhoso, mas sem brilho em excesso.

Decorando a parede ao fundo, pelo menos oito velas acesas, mais quatro belos arranjos de flores naturais, quadros e imagens de Pretos Velhos, Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, São Jorge Guerreiro, Nossa Senhora Aparecida, São Francisco, São José, São Lázaro, São Cosme Damião, Índia Tapuia, Yansã e outras imagens que não fui capaz de identificar. 

Panos com estampa em tons de vermelho com flores vermelhas enfeitavam todas as portas e janelas à vista. Panos e palhas de dendê. Na soleira da porta, comida e penas cuidadosamente dispostos tanto na porta do salão quanto na porta da casa. Comida em potes de argila na entrada, atrás da porta do salão principal, em cima da porta do terreiro. Na entrada, uma árvore com panos brancos pendurados, carrancas ao lado de velas, potinhos com comida e urnas. Várias urnas. Festa de Yansã, orixá do pai de santo desta casa de candomblé e umbanda. 


Imagem ilustrativa de Yansã ou Iansã.
Fonte: https://www.elo7.com.br/quadro-arte-francesa-orixa-iansa/dp/663DDA

Chego cedo. Ainda estão terminando os preparativos. Um passa o pano no salão, outros organizam cadeiras, adornos e detalhes de última hora. "Aqui é uma igreja, só que uma igreja de candomblé, e no candomblé somos uma comunidade", orienta o pai de santo enquanto alguns organizam as cadeiras. Me parece que tudo foi carinhosamente colocado no lugar.

Um dos músicos coloca esparadrapo nas varetas que vão servir de baquetas. São várias. Ele ajeita os tambores. O mais alto dos instrumentos é enfeitado por tecido que tem a mesma estampa do tecido que enfeita as janelas. 

"Vai tomar banho", escuto essa frase mais de uma vez, que uns dizem aos outros.

Aos poucos, os visitantes vão chegando e ocupando as cadeiras de plástico. A diversidade das imagens em quadros e estátuas me chama atenção, porque de onde vim o diferente era condenado. Aqui tenho a impressão de que todos são incluídos.

Vejo pessoas arrumando o salão, os instrumentos, os últimos detalhes e depois vejo essas mesmas pessoas participando da festa, fazendo a festa, vivendo-a com palmas, cantos, danças e tudo que é próprio de uma festa de candomblé. Acho isso lindo, isso de que todos participam da organização e da cerimônia festiva propriamente dita. Mais uma vez acho o candomblé inclusivo, envolvente.

As mesmas pessoas que trabalharam no início e que curtiram a festa agilizadamente servem um banquete aos visitantes, ao fim da cerimônia. Já tinham servido acarajé e refrigerante durante o ato festivo. Depois dele, jantar, com diversidade e fartura, incluindo dois tipos de sobremesa. Acho tudo tão interessante e bonito. Não entendo nada, não sou feita de santo nem conheço os fundamentos do candomblé. Mas percebo que os envolvidos fazem tudo com muito zelo e amor.

Enquanto escrevo, esses mesmos participantes recolhem os pratos, varrem áreas internas e externas, empilham cadeiras. Às 03:25 do domingo, eles estão, ao meu ver, perto de finalizar a arrumação. 

Foi assim minha segunda visita a um terreiro, em Fortaleza. Grata experiência. Ainda jantei com as mulheres que fizeram o acarajé (tava bom, viu!) e com dois bailarinos de um circo que está de passagem em Fortaleza. A bailarina é da Paraíba e o bailarino, da Bahia. Também são do candomblé e estavam naquela casa pela primeira vez, já perguntando quando seria a próxima festa.

Marília Pedroza
17/12/2017