terça-feira, 21 de abril de 2020

Gengibre, limão, mel e cachaça

Lembro de você muito mais do que eu gostaria atualmente de lembrar.
Tô aqui de boas, às vezes no meio do dia, e você se materializa nos meus pensamentos.
É... esquisito, surreal? Nem tenho os adjetivos certos pra descrever essa situação.

Só sei que me acontece. Uns dias mais, outros menos. Às vezes tem de fato um gatilho, alguém que comenta algo ou uma notícia que vejo que me lembra você ou seu trabalho ou algo relacionado a você.

Me acontece de lembrar de você, de sua casa, seus animais, as músicas, a decoração, a vista, os chamegos, você.

Curioso que, em geral, você lembra de mais coisas dos anos anteriores do que eu.
Desse ano [2020], eu lembro bem, lembro muito, de detalhes.

Você falando da TV que tentou consertar, do trabalho, que canto bem. As estrelas (ah, as estrelas!), os forrós, o drone, o carro, o violão, a estante, os petiscos no bar querido, o gato embaixo da mesa, o por do sol com paçoca e feijão verde, as cachorras, a barba, o suor, o sorriso, o sotaque, o ritmo e o jeito de falar, a família, os cachorros latindo, as estrelas de novo.

A gaita, o sanduíche, a outra casa, a piscina, as pessoas naquela noite, a brincadeira de mímica, a gente dividindo a cadeira, o shot de gengibre, limão, mel e cachaça e tantos outros detalhes.

Tantos anos. Seu pai, minha mãe, uma praça, um shopping, um cinema, uma feira. Tantos anos. Duas cidades. Muitos anos. Poucos dias. O suficiente pra me bagunçar todinha.

. . .

E eu não vou perguntar oh where, oh where can my baby be?, porque eu sei onde você está. Você lá e eu cá. Cá lembrando você, cá pensando você, cá sentindo. Cá eu, lá você.

. . .

Ah, eu saí do carro sim mais felizinha. Bem mais. Indescritivelmente mais, todos os dias.

Postal de "Lágrimas de São Pedro", instalação de Vinícius S. A., que esteve na Caixa Cultural Fortaleza de 21 de março a 06 de maio de 2018.


Marília Pedroza
Abril de 2020