domingo, 28 de agosto de 2011

Em nome da justiça e de direito

Nunca sei se foi painho ou meu tio quem me deu essa poesia. Mas ela é de um terceiro homem, um que já foi até governador da Paraíba. Há 37 anos (e 2 dias) ela foi escrita. As folhas amareladas, manchadas pelo tempo, e a grafia de máquina de escrever são a prova.  Acredito que sou detentora de uma das versões originais. Pra quem gostar, a resposta do juiz tá no link ao final. Boa leitura.


"Exmº Sr. Dr. Juiz Substituto desta Comarca


Roberto Ferreira de Sousa, brasileiro, maior, estudante, residente nesta cidade, por seu procurador e advogado no final assinado, constituído conforme instrumento procuratório anexo dos autos de processo que lhe move a justiça Pública desta Comarca, expediente de 5º Ofício, desejando que lhe seja entregue o “Violão” que acompanhou o inquérito policial, expõe e requer a V. Exª, o seguinte:

O instrumento do crime que se arrola
nesse processo de contravenção
não é faca, revólver, nem pistola,
é simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que em verdade
não feriu, nem matou cidadão;
feriu, sim, mas a sensibilidade
de quem o ouviu vibrar na solidão

O violão é sempre uma ternura,
instrumento de amor e de saudade;
o crime a ele nunca se mistura,
entre ambos inexiste afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
dos menestréis de alma enternecida,
que cantam mágoas, que povoam a vida
e sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
é sentimento, é vida e é alegria,
é pureza e é nesta que estasia,
é adorno espiritual do coração.

Seu viver como o nosso, é transitório,
seu destino não se perpetua;
ele nasceu para cantar na rua
e não para ser arquivado num Cartório.

Ele, doutor, que é suave lenitivo
para a alma da noite em solidão,
não se adapta, jamais, em um arquivo
sem gemer sua prima e seu bordão.

Mande entrega-lo pelo amor da noite
que se sente vazia em suas horas,
para que volte a sentir eterno açoite
de suas cordas finas e sonoras.

Liberte o violão, doutor juiz,
em nome da justiça e de direito...
será crime, porventura, um infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, afinal, será pecado,
será delito de tão vis horrores
perambular pelas ruas um desgraçado
derramando nas praças duas dores?

Mande, pois, libertar da agonia...
a consciência, assim, nos insinua.
não sufoque o cantar que vem da rua,
que vem da noite p’ra saudar o dia.

É o apelo que aqui lhe dirigimos
na certeza do seu acolhimento;
juntada desta aos autos nós pedimos,
e pedimos, enfim, deferimento.


Campina Grande, Pb, 26 de agosto de 1974
Ronaldo da Cunha Lima – Advogado."

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